terça-feira, 6 de março de 2018

Atemporal (Ultima parte)





Ainda escovava os dentes olhando-se no espelho, repassando todos os acontecimentos do dia. As perguntas vinham como um vendaval em sua memória... Como ela a conhecia tão bem? Como pode se apaixonar? O Livro... Porque o interesse no livro?
Os olhos de Amanda arreagalaram-se. Comprara aquele livro em um Sebo no centro da Cidade. Lembrava bem do dia em que o encontrou perdido na prateleira empoeirada, no canto escuro da loja. Quando foi ao caixa...
— Esse livro é uma raridade. É um dos mais antigos da loja.
Amanda ignorou o senhor atrás do balcão. A cabeça andava apressada com a competição pelo novo cargo da empresa.
—Quanto é?
O vendedor permaneceu em silêncio.
— Esse livro está na família há anos. Acho que meu tataravô o guardava em sua própria biblioteca. Ele sempre disse que era especial porque dentro tem uma foto de um casal e se alguém, algum dia comprasse, seria abençoado com o amor vivido por eles.
Amanda correu para o quarto. A foto! Não podia ser. Começou a tirar as coisas de dentro da gaveta da cabeceira. As mãos tremiam. Com a adrenalina percorrendo suas veias, jogou tudo no chão... até ver a foto. Lá estava ele... Era Eduardo sorrindo. Era ele na foto. Uma foto amarelada pelo tempo. Se recordava bem que se apaixonara pelo sorrido do rapaz que um dia fora dono daquele livro.
Soltou um grito com o soar da campainha. Ainda tremia ao se aproximar da porta e quando viu o rapaz pelo olhos mágico, suas pernas bambearam.
— Quem é você? — disse com a voz trêmula, através da porta fechada.
— Amanda, por favor... Deixa eu me explicar. Abre a porta.
— Não! Quem é você?
— Eu sou exatamente quem você pensa que eu sou... só preciso explicar. Confia em mim... O que eu posso adiantar e que sei muito da sua vida, que me apaixonei por você e que eu realmente acredito que tem talento para assumir a empresa...
A porta abriu-se devagar. O rosto de Eduardo perdeu a cor quando viu a foto nas mãos de Amanda. Com os olhos marejados, entrou devagar e sentou-se no sofá, colocando a cabeça entre as mãos. Respirou fundo.
— Vou tentar do começo. Pode parecer loucura, mas você tem que acreditar em mim.
Amanda sentou-se ao lado do rapaz.
— Minha família carrega uma herança... Não podemos tirar fotos. Nossas almas ficam aprisionadas no papel. Ninguém em minha linhagem sanguínea pôde perpetuar momentos, guardar recordações. Nunca, nem uma foto sequer, Amanda. Essa foto, que estava dentro desse livro, foi um erro. Barbara foi uma mulher especial para mim. Foi um sentimento genuíno, grande... Mas ela, com a sua maneira egoísta de amar, mesmo sabendo da minha incapacidade, tirou a foto. Não acreditei que ela fosse capaz de me aprisionar dessa maneira. Ela alegou que não podia viver sem mim, que precisava de uma recordação, mas naquele momento ela me perdeu. Eu não queria aquele amor medíocre, possessivo... — levantou o rosto e olhou para Amanda. — Eu a vi morrer, eu vi todas as pessoas da minha família virarem pó, gerações se despediram de mim. Não queira saber há quantos anos vejo minha vida passar na esperança de um dia achar quem comprou aquele maldito livro!
Amanda estava absorta pelas palavras do rapaz.
— Venho vivendo como qualquer outra pessoa. Montei minha empresa, fingindo passa-la de geração para geração... Sempre eu no comando. Meu Deus, como que queria sumir, desaparecer.  — esfregou os olhos. — Então... depois de gastar muito dinheiro descobriram onde estava o livro. O vendedor, um senhor me contou sobre a mulher que comprara o livro. — Eduardo olhou para Amanda. — Lá estava seu nome.
Amanda enxugava as lágrimas enquanto mantinha o rosto baixo. Apesar da loucura, estava apaixonada.
— Eu te segui desde então... Por onde você andava, o que você fazia, como você fazia... O que te motivava, o que te encantava. E no fim... eu me apaixonei.... perdidamente.
Amanda olhou para Eduardo. Enxugou o rosto e segurou-lhe as mãos. Ele a puxou com força e beijou-a de maneira urgente e possessiva. O amor entre eles era visceral, atemporal. A dor daquele beijo era físico. Ele a afastou.
— Amanda... Eu sei que o que vou pedir não faz o menor sentido, mas guarda essa foto. Eu não quero me separar de você. Eu não suportaria viver sem você. Por favor...
— Mas, Eduardo, e o que será de nós? Você me verá envelhecer, morrer... e depois? — gritava Amanda, inconformada com a situação.
Ele caminhava de um lado para outro da sala na tentativa de raciocinar de maneira lógica.
— Amanda, nós podemos ter um filho. Um filho nosso! Eu posso cuidar dele, vê-lo crescer! Uma vida que eu sempre quis!
— E depois? Ele também vai envelhecer! — Segurou Eduardo pelo rosto. — Por favor... entenda que o que vou fazer é porque amo você demais.
Eduardo enxugava as lágrimas, enquanto confirmava com o rosto.
Amanda tentava acalmá-lo, passando as mãos em seu rosto vermelho. Beijava-lhe os olhos, o rosto, a boca. Queria sentir um pouco mais do homem que parecia ser parte de seu corpo.
— Eu não consigo! — murmurou enquanto se dirigia para a porta.
Abraçaram-se por longos minutos. Beijaram-se, riram, choraram juntos.
Amanda pegou-o pelas mãos e despediu-se. A última imagem foi o rosto do homem que tanto amava, coberto de lagrimas, desaparecer atrás da porta.
 Amanda jogou-se no chão e contorceu-se. Podia deixar as coisas como estavam. Iria viver a vida inteira com o homem que amava, ter filhos, netos... Mas era egoísmo ver Eduardo perpetuar a dor de ver todos os que mais amava, morrerem. Olhou pela janela o carro sumir na esquina. Andou até o quarto, pegou a foto do sorriso que mais a encantara em toda sua vida e rasgou devagar, como se rasgasse parte de seu corpo, que agora estava em pedaços.
+++

— Senhores... Bom dia. Como sabem, desde que o Sr. Eduardo Freire deixou nossa empresa temos trabalhado com o Vice-Presidente da Soft Business. Tem sido dias difíceis, trabalhosos, mas emocionantes.
Amanda olhava para baixo. Não escutava direito as palavras do Presidente. Segurava em suas mãos o pen drive com o projeto de trânsito. Apesar do rosto inchado e das noites mal dormidas, estava de pé e lúcida.
— Mas, apesar de todo o stress, anuncio que o projeto foi concluído. Amanda fez alguns ajustes e, com a aprovação de todos, ganhamos a concorrência. A Faces agora passa a ser a segunda maior prestadora de serviços publicitários para o Governo Federal e eu gostaria de pedir uma salva de palmas para a nossa nova Diretora de Marketing da Faces Marketing e Comunicação.
Amanda levantou-se. Um soar de palmas efusivo preencheu a sala. Acenou modestamente para todos enquanto apertava o pen drive nas mãos. Deveria estar feliz, mas a saudade era algo que ainda norteava seus dias cinzentos.
+++
Quando se dirigia para o elevador, o Vice-Presidente da Soft Business aproximou-se.
— Amanda Castro? Por favor, desculpe-me incomodá-la, mas o Sr. Feire pediu que se um dia a senhorita chegasse ao cargo de diretora, que eu deveria entregar-lhe esse envelope.
O coração de Amanda quase pulava fora do peito só de ouvir falar no nome de Eduardo. Ela agradeceu, e assim que entrou no carro, respirou fundo e abriu o envelope.
“ Amanda, amor da minha vida... de todas elas,
Não saberia dizer onde estou, o que aconteceu comigo, o que foi feito de mim. Posso garantir que minha vida, em todos esses anos, se resumiu ao pequeno espaço de tempo que vivi com você. Estou feliz. Conheci o que é o amor, em sua grandiosidade. Aquele amor cantado, idealizado, poetizado... Isso não foi, não morre, não desaparece. Mas conheço a finitude da memória e tenho quase certeza de que daqui alguns anos, vou ser apenas uma lembrança, uma imagem desbotada. Também não vou ser egoísta. Você é uma mulher linda, jovem e ainda terá filhos, netos e histórias eternizadas em fotografias. Talvez você ame alguém como eu te amei, mas mesmo assim, deixo uma lembrança de uma pessoa que levou parte de você em um beijo que não se perde nem na eternidade.
PS: Eu sabia que a diretoria seria sua.
Com todo o amor do mundo.
Eduardo Vasconcelos Freire”

Amanda enxugou as lágrimas e quase desfaleceu ao ver na outra página da carta, o desenho de Eduardo. Como não podia ser fotografado, pediu que algum artista o desenhasse. O sorriso estava lá, tal qual como ela se encantara. Apertou o papel contra o peito e soluçou até achar que não tinha mais forças. Respirou fundo e ligou o carro. Tinha uma longa noite pela frente. Amanhã seria o primeiro dia como Diretora da Faces.


FIM

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